quarta-feira, 19 de março de 2014

São tantas as tentativas.

       Apaixonei-me por alguém que não amei; amei alguém por quem não me apaixonei. Gostei de pessoas que não gostavam de mim e me desfiz de pessoas que o faziam. Esqueci alguns sobrenomes, talvez algumas fisionomias, mas nunca momentos.
       Acho que uma das grandes dificuldades da pessoa humana é diferenciar os sentimentos, na realidade. Você apenas sabe que sente e sabe que está lá, só que nunca tem a coragem de desbravar ou questionar essa angústia. Por vergonha, medo, ou por saber que o melhor mesmo é deixar assim. Emily Dickinson mesma disse que "as misérias da conjetura são uma dor mais amena do que um fato de ferro endurecido por "Eu sei". Temo em dizer que essa é uma de minhas passagens preferidas e que tem um significado tão grande. Apenas depois de uns anos daí você talvez note que aquela pessoa não era tudo que você pensava dela, mas se isso acontecer, só digo que não te frustre porque acontece. Não que as pessoas mudem, mas a tua percepção delas faz esse papel.  Não digo que será bom, mas digo que será saudável.
          Se busca um motivo para a mudança dessas opiniões antes tão certas, você pode achar um bem grande, ou vários pequenos. Um dos principais que eu encontro é que depois de um tempo que se conhecem, as pessoas acham que não existem mais limites entre elas, que não é preciso medir as palavras, nem ao menos guardar alguns mínimos segredos. Segredos estes que geralmente não passam de lembranças de um dia que você não esperava ser tão bom e decidiu guardar aquela luz emanada por ele apenas pra ti, por um momento, antes de compartilhar como foi.
       Esses detalhes, então, se repetem numa situação contrária. Muitas vezes, a pessoa pode não ter todos os "critérios" para ser alguém importante pra ti, mas você vê nela algo tão extraordinariamente único, um mistério por trás do que ela representa pra ti. Ela te faz sentir diferente, de uma forma que ninguém mais é capaz de fazer. Isso é se apaixonar. Mesmo não estando junto, mesmo não tendo tanta intimidade, tu olha para a pessoa e sabe que ficará feliz quando ela estiver também. Você talvez odiará quem ela odeia por pura empatia e sentirá por suas perdas. Não de uma forma extremista, isso nunca, mas você sabe que é assim. 
        Querer ter a pessoa por perto, achar ela bonita, querida, engraçada, é um amigo acima de tudo. Isso é gostar. Ela pode te fazer bem, te ouvir ainda que também desabafe contigo, é pegar na sua mão quando for interessante simplesmente porque é bom. O tipo de bom que também não acontece com todos. 
      Acho que agora dá pra entender por que o nosso coração simplesmente não desiste de confundir tudo.


       

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Escritos Antigos.


Escrevo para desabafar, escrevo para me confessar, escrevo para não surtar. Meu remédio de dias tristes, meu limite de dias contentes. Meu modo de não apoquentar quem eu amo com meus extremos de personalidade.
Tão chato ser trágico, tão chato ser otimista. Incomoda ser realista, estranham se lê filosofia. Pessoa, Dickinson, Sparks, Perkins e  Nietzsche, grandes amigos para dias em que uma xícara de chá com leite acompanha os mais variados pensamentos da vida corrente. Tudo muda o tempo todo e o que pensei eternizado já foi até deixado em folhas amassadas numa tarde de inverno num dos bancos da Redenção, ao lado de uma barraquinha de pipoca doce. Aquela pipoca que você saboreou enquanto comprava terrenos com dinheiro falso e seus passos eram controlados por dois dados azuis transparentes.Você era apenas um pedaço de metal.
Descobrir que ama alguém no momento em que vê ele atravessando a rua e, na sua cabeça, surge um novo assunto que gostaria de conversar, um novo abraço que gostaria de dar, mas com o mesmo perfume, gostaria de também receber. Sussurros que trazem segredos inquietantes, inexplicáveis conspirantes. Sabe mais dos seus dezesseis anos de história do que aqueles que comemoram seu aniversário do seu lado desde que se lembra ser sempre. Conhece suas manias, convive com seus medos. Consegue tirar suas angústias e te afastar da ideia do que achava que seria apenas mais um dia de tédio.
Estranho sentir o tempo tão refulgente em seus mais ultrajantes desfiles que passam enquanto somos distraídos pelo vento ou pelos próprios olhares de quem isso não entende. As cores se transfiguram e não mais é discernido aquele vulto de seriedade do seu sonho de verdade.
Talvez nada mais faça sentido e muito difícil se repita o ocorrido. Nos conformemos com o silêncio e não podemos esquecer de lembrar das palavras já escritas. As pronunciadas para sempre serão relembradas e, quem um dia ousar, recontadas, mas as escritas, se reconstruídas, se tornarão enjoativas, pobres fonemas que servem apenas de acalento ao mais conturbado contento. 


quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Acreditar, apenas.

- Mãe, isso não está certo!
- O quê, filho?
- Isso tudo que dizem sobre felicidade num relacionamento entre pobres e ingênuos adolescentes.
- Olha a ironia de novo. Como assim, querido?
- Ah, mãe, eu achava que era bem mais fácil. Sou uma pessoa que vai direto ao ponto, mas daí dizem que também perde a graça, então me sinto perdido.
       Assim se começou a conversa entre meu primo, de seus 17 anos na época, com a minha tia, no caso mãe dele. Era aniversário do meu tio e estávamos todos na casa deles para a comemoração. Ventava muito e minha tia estava na cozinha fazendo pipocas para as crianças presentes. Eu acabei indo junto para ajudar e meu primo já estava lá sentado mexendo no celular.
- Miguel, pode falar, o que está acontecendo contigo?
- Vamos criar uma situação hipotética de que eu estaria gostando de alguém...
- Com quem, no caso, estaria trocando mensagens no celular agora.
- Cala a boca, Hannah! Mãe, - e ele virou o rosto para ela - só que eu não soubesse absolutamente nada que essa garota pensa, nada mesmo, como eu deveria reagir?
- Se tu conhece ela há um tempo, acho que o mínimo que tu deveria saber é como essa garota faz suas decisões em relação a qualquer assunto. Desde o colégio em que estuda até músicas que gosta. Não que isso seja relevante, mas é que é um assunto para se ter, né! E uma forma de mostrar que se importa com a forma que leva a vida.
- Hm, e se eu comecei a falar com ela há uns meses e a gente já saiu algumas vezes, mas ela não se mostra muito interessada embora sempre se mostre muito disposta?
- Tu saiu com ela, filho? Em que tempo?
- Aaaahh, que tu vai me dar o nome dela pra eu saber quem é!
- Hannah! Shiu! Saí, umas três ou quatro vezes. 
- Tá, parei, tô só achando bonitinho. Continue, Mimi.
- Já disse pra não me chamar assim. Tá, tanto faz agora. Mãe?
- Bom, aí depende muito do que tu pretende ter com essa moça.
- Ah, mãe, eu gosto realmente dela, mas tenho medo de fazer qualquer objeção ou sei lá. Parece que estou em constante observação e ela parece tão madura pra uma guria de quinze anos. Às vezes, me sinto um retardado falando com ela.
- E tu já parou pra pensar que ela também pode ter essa mesma sensação?
- Impossível! Ela é muito segura.
- Ué, pode parecer. Tu mesmo disse que não sabia o que se passava na cabeça dela.
- Ah, é diferente, eu acho.
- Não me venha com "é diferente, eu acho", não é diferente. Os sentimentos das pessoas podem ser um tanto complicados, seja por medo e precaução, seja pelo simples fato de não querer perder o foco por mais que queira que algo diferente aconteça.
- Primo, vou te falar. Tenho muitas amigas agora nessa fase inicial de relacionamento e elas têm muito medo de apostar em algo que será perda de tempo. Talvez a...
- Anna. - ele disse olhando para os dedos que tamborilavam na mesa.
- Talvez a Anna também se sinta assim e queira apenas que tu mostre que merece pelo menos parte do tempo dela que, convenhamos, se ela é tão "madura" como tu diz, deve ser precioso.
- Tu tem só dezesseis anos, não sei se deveria acreditar em ti.
- Dezesseis anos de muita pesquisa, com licença. Tia, conversa com ele e deixa que eu mexo a panela.
- Obrigada, cuida pra não se queimar! Miguel, escuta. A Hannah tinha lá seu fundo de razão. - fiz uma careta para ele na hora, que sorriu - Não conheço essa tal de Anna, e é melhor eu conhecer logo, mas acho que ela realmente procura essa iniciativa por tua parte. Ela pode talvez dar algumas indiretas que tu tem que saber entender, não passa de um jogo que ambos querem, de certa forma, ganhar. Além disso, ela tem 15, tu tem 17, é teu dever tomar essa responsabilidade.
- Não que seja totalmente obrigatório, mas mostre que se importa. Isso é o mais importante.
- Mande flores!
- Não, tia, isso não! Ela pode não gostar, ou ser alérgica também. Espere conhecer ela melhor para fazer isso.
- Hannah - chamou Miguel, embora não tivesse levantado o olhar ainda - é provável que tu possa saber isso.
- Como?
- Bom, lembra da Anna que viajou contigo janeiro passado?
- Ai, meu Deus! Aquela Anna? Miguel!!
- Ai, Hannah, acontece!
- Acontece? Eu vou te dar uns tapas...
- Cuida que tá começando a estourar os milhos. - Disse a minha tia quando eu virei de costas para o fogão. - Mas o que tem ela, Hannah?
- Tia, o que ele disse é verdade. Ela é realmente muito "mãe" pra idade dela.
- Exatamente! - Miguel concordou.
- Filho, então tenho poucos conselhos para te dar. - minha tia arrumou o cabelo, colocou uma mão na cintura e apontou para o Miguel e digamos que até eu temi naquele momento - Mostre que se importa com ela, não fique dando essas crises existenciais porque esse tipo de garota não é de ficar se fazendo por aí. Se ela já mostrou que gosta de ti em um dia e não fez nada que ateste o contrário, continue confiante. Todavia, não seja aquele tipo de cara grudento também, só o suficiente. Faça ela rir e não torne insignificante algo que ela pensa ser especial. Ah, e o mais importante, se apaixone, porque é saudável, mas não idealize, porque decepciona. Acho que é só isso por enquanto.
       As palavras da minha tia me surpreenderam e marcaram tanto que eu me recordo daquela luz branca da cozinha e do cheiro daquela pipoca com manteiga até hoje, mesmo um ano depois. Eu pensei, naquela noite, se não responderia diferentemente as perguntas do Miguel se tivesse mais tempo para pensar, assim como sempre tenho respostas melhores para as perguntas feitas só depois, quando eu já respondi a primeira vez e ficaria sem sentido "responder" de novo. Felizmente, não encontrei palavras diferentes. Minha tia foi sábia em falar de paixão e idealização, nunca tinha pensado daquela forma, mas faz muito sentido agora.
          Conto tudo isso porque reencontrei, semana passada, o Miguel e ele apenas disse:
- Obrigado, pirralha!
- Tu vai ver a pirralha, Mimi.
- Ai, como eu te odeio!
- Disponha.
           A quem interessar, Miguel e Anna ficaram mais umas duas semanas naquela angústia de não saber o que fazer, mas decidiram tentar. Estão juntos há nove meses e, mesmo com alguns percalços da faculdade e brigas por bocabertices, sentem-se, no mínimo, felizes e deveras focados. Digo isso como se fosse algo muito grandioso, não é!? Bom, para eles é, então, por que acabar com a emoção de uma história toda?


       

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

E foi-se, assim, como se fosse tão simples.

       Difícil negar que não lembramos como é ser primeiro ano. Impossível descrever toda tensão e nervosismo que passamos para que chegássemos no terceiro. Tanta paciência de outras pessoas para com nós, tanta persistência de nós para com outras pessoas. 
        Que saudade sentirei das manhãs mais gélidas que me agoniavam, mas que se tornaram especiais por causa de um amigo que chegou de bom humor. Não tem como dizer ao certo o que será daqui para a frente. Nos prometeram futuros promissores e que continuaríamos vendo os amigos, em contra partida há aqueles que disseram "vocês pensam que será assim, mas nada permanecerá igual". Intrigante pensar que o medo da mudança, mas a agonia da estabilidade nos assombram na mesma proporção. Queria eu poder dizer que os três anos aqui passados foram eternos, mas não. Tenho que assumir que aproveitei o quanto me permitiram que fosse aproveitado, e em alguns dias um pouco mais, mas tenho certa conclusão de que apenas alguns dias foram marcados por eternidades positivas. 
       Jamais esquecerei as discussões morais das aulas de história, as músicas embaralhadas de inglês, as aulas mais loucas de biologia da minha vida e, bom, as melhores aulas de matemática que jamais teria se não fosse o meu terceiro ano. Agora, sinto muito, mas aulas de slides... até hoje eu não sei o que aconteceu com aquelas minhas horas da manhã de Ensino Médio. 
       Enquanto cito tais aspectos, veem em mente rostos únicos e misteriosos. Contestadores, revoltados, prudentes, capitalistas, manifestantes, dançarinos, poetas, desenhistas, moralistas e legalistas. É uma marca, deveras, de três anos muito mais bem desenvolvidos, cheios de história e de crescimento pessoal do que os demais de Ensino Fundamental, e não canso de dizer isso.
       Como é complicado dizer Adeus. Tudo bem que foram apenas nove semanas de trimestrais e nove TAFs para a maioria dos formandos... Tá bom, paremos com os panos quentes, nove semanas de provas são muitas horas de sono inutilizadas, café tomado, borracha gasta, canetas sem tinta e lápis apontados. E pensar que em cada dia dessas nove semanas eu tive que assinar meu nome no mínimo três vezes por dia. Os corredores jamais serão os mesmos e o sol que nasce não mais será visto do mesmo ângulo.
           Tenho a crença de que a melhor parte dessa celebração toda de formatura seja sua companhia. Quem se forma contigo, quem está lá para te prestigiar. Amigos, familiares, teus médicos de infância que seja. Todos ali, contigo e por ti. É realmente muito carinho e gratidão.
            Sem mais delongas, era isso que, como formanda de uma instituição pela qual eu acabei criando um amor, eu sinto que deveria falar para a minha despedida. Só dizer, novamente, que a ficha caiu apenas um dia antes da última vez que utilizarei a boina como aluna. Palavra pesada esta, mas também é a ÚLTIMA vez que escrevo como aluna do Colégio Tiradentes da Brigada Militar.




segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Estava eu passando a minha farda quando olho pela janela.


De uma forma estranha, os carros não cessavam e o sol não tinha jeito de ser pôr.  Pensei que talvez fosse pelo fato de estar um pouco frio e, sei lá, a lua o tivesse pedido para que ficasse um pouco mais.

Tenho a certeza de que a lua nem sempre me acompanhou em todos os momentos mais nostálgicos ou talvez migratórios da minha vida, mas ela nunca se mostrou uma má companhia. Ela sempre foi sutil e muitas vezes me fez esquecer o que me agoniava. Estranho pensar, de fato, que ela também estava comigo em meus melhores sonhos, ainda que eles tenham se tornado uma raridade dentro de alguns dias. Ela estava lá quando eu percebi que não tinha mais o que fazer, quando escrevi mais do que minhas mãos deveriam suportar, quando vi um filme que me fez pensar, quando havia um livro que não me deixava descansar e também, inesperadamente, em algumas manhãs quando saía de casa para mais um dia imprevisto e sorteado nessa capital sem um devido lar.

De certa forma, ela me mostrou que tu nunca vai saber a hora que o fim chegará. Então, quando perceber, pedirá por apenas mais 5 minutos daquele sentimento. Aqueles 5 minutos adicionais que você se dá por direito ao final de cada momento marcante da tua vida. É como se tu te sentisse menos culpado ao prorrogar algo que foi (ou está sendo) bom. Como se tu tivesse aproveitado mais, vivido mais. Quando na realidade, nada passou do que realmente era para ser e dos seus minutos a mais.

Por muitas vezes prolonguei alguns momentos apenas para ter a certeza de que fiz o que realmente poderia até o fim. Esperei que as salas ficassem vazias e que no pátio houvessem apenas as folhas sob a brisa fria. Esperei para ouvir cada última palavra e aguardei, também, que o ferro secasse as borrifadas que dei em minha vestimenta para frisar.

É lógico que este texto não tem uma linha para seguir. Nem sempre falei da lua quando me referia a meus agradecimentos, e nem também da minha farda. Tudo acaba por se misturar, assim como os sentimentos que teimam em queimar. Chegamos no fim, andando cautelosamente em nosso flautim. Compusemos tão bem as nossas narrativas, que conseguimos vive-las sem menores iguarias. Nada no mundo nos fará repetir esse doce cansaço que queremos, por ora, extinguir.

terça-feira, 23 de julho de 2013

O mundo todo ou você?


O reconhecimento e o carisma são dois fantasmas sentimentais que deveriam nos flanquear pela rotina que decidirmos levar. Acredito que aprendi isso com uns vinte minutos de conversa que tive com meu tio-avô numa parada de ônibus. Por algum motivo, logo que uma criança passou correndo por nós, ele me dirigiu a palavra:
         - Minha jovem, feche os olhos e deixe a imaginação fluir. Apenas escute. Pense em todas aquelas pessoas mal-humoradas que passam por você pela rua, e talvez acredite que não vale a pena sorrir. Talvez pense que não vale a pena tentar, afinal, muitos já não conseguiram então, por que você, não é mesmo? Até que um dia ao acordar, é com pesar que deixa as cobertas e coloca a roupa mais confortável e apresentável que tiver para encarar o dia.
         Corre até a parada de ônibus, oh, você se atrasou. Por um acaso do destino, o motorista conhece você e simplesmente para o ônibus que já arrancava, apenas para lhe esperar. Você desconfia, mas agradece e senta-se num banco à esquerda. Ao chegar perto do serviço, desce do veículo e deve passar por aquela banca de jornal que cheira fortemente a tabaco. Antes de passar, pensa em atravessar a rua apenas para evitar contato com o senhor que nunca lhe cumprimenta. A preguiça de atravessar, porém, lhe toma e, hm, aquela manchete de jornal até que está interessante. Checa os bolsos e pelo visto há algumas moedas que foram o troco do seu café no dia anterior.
         - Não gosto de café, vô! O senhor deveria saber que crianças de onze anos não tomam café.
         - Troco do picolé, pronto! Feche os olhos de novo. Bom, pega então um exemplar e, com uma cara sonolenta demais para uma quinta-feira, vai pagar ao senhor fumante. Meu Deus! Ele sorri para você e, que surpresa, os olhos dele são escuros brilhantes, como você imaginava ser nas profundezas do oceano. Percebe que nunca tinha os observado. Sorri de volta, um sorriso torto de gratidão pelo jornal e vergonha por nunca antes ter tentado olhar aqueles olhos.
         Caminhando umas duas quadras, adentra o edifício em que trabalha e pensa em passar reto pelas secretarias que numa constância estranha estão sempre lixando as unhas. Porém, o dia mal começou e já a surpreendeu tanto, o que será que acontecerá se cumprimentá-las? Acaba de descobrir que você subirá no elevador com um cookie de chocolate nas mãos. Desde quando elas têm cookies?
         Já na sua sala, sua auxiliar de relatórios a espera com uma imensa papelada. Você apenas sorri e diz:
         - É isso pra hoje?
         Ao passo que ela faz uma careta e responde:
         - Está tudo bem com você?
         - Digamos que o mundo parece estar ao meu favor.
         A auxiliar ri e então lhe diz:
         - Ou é porque acham estranho você usando pantufas de garrinhas com uma roupa social.
         Neste momento, meu avô fez silêncio. Esperei ele continuar a narrar, mas olhei para o lado e ele apenas me observava com um olhar curioso. Meu rosto devia estar engraçado porque ele apenas desviou o olhar para pegar o dinheiro do ônibus que chegava enquanto dizia:
          - É uma metáfora, filha. Talvez você seja muito pequena e eu, um velho caduco, mas o que mudara? O mundo todo, ou você?
         Subimos no ônibus e não pensamos mais na história. Dois anos depois, meu tio-avô partiu sem me explicar a metáfora e, agora, quatro anos mais tarde, sinto sua falta e um certo aperto, pois acho que entendi a história e queria ter a garantia de que as pantufas chegariam em minhas mãos, um dia.

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Um pouco do que eu talvez não tenha sido...

            Em um daqueles dias que tu te sente revoltado ou talvez simplesmente irritado com algo que está te acontecendo, acho que tu deveria ficar em silêncio, experiência própria, caro leitor. Ultimamente tenho me irritado fácil, ficado chateada por bobagem ou por nada mesmo. E então numa dessas crises que lembro ter tido alguns anos atrás, lembro que eu falei para um amigo: “Ninguém precisa de ninguém”. Todavia, hoje essa frase me parece tão triste e cheia de rancor. O que eu fui? No que me tornei? Eu gostei das mudanças que o tempo para mim armou?
            Fui uma criança feliz. Aprontava para qualquer um na hora que eu bem entendesse. Realmente não me importava com o mundo afora e, bom, das minhas memórias marcantes dessa época tão curta restam algumas vezes em que me escondi no sótão de casa e quase mandaram a polícia atrás de mim; quando levei meus primeiros sete pontos no queixo; duas vezes que fora queimada por taturanas, uma vez me escondendo (como sempre) em cima de uma árvore, e outra andando de bicicleta no pátio da casa em que fora criada e quando lacei meu gato e ele ficou pendurado no muro de casa. Ah, não tenho como esquecer que durante meus cinco até mais ou menos oito anos, as galinhas criadas na minha casa não tinham sossego. Fingia dar-lhes aula, inclusive andava de bicicleta com elas. Apavoradas, não eram capazes nem de me bicar. Doces bichinhos eram essas galinhas que até nomes possuíam. Se elas se tornaram meu almoço? Não! Talvez da minha família, mas meu não.
            Por volta dos meus onze, logo que troquei de escola, a vida me apresentou uma nova realidade. Fiz o melhor que pude e nunca ninguém percebeu que talvez eu guardasse certa infelicidade. Porém, para meu próprio bem, aprendi a esconder isso. Esconder até de mim mesma esse e mais tantos outros sentimentos. Achava que se ninguém soubesse o que eu realmente sentia, nada poderiam fazer para me atingir ou magoar ainda mais. Meu currículo nunca esteve melhor que nestes anos marcados por tardes quentes estudando no quarto. Talvez eu esteja reclamando agora por saber que existe vida diferente do que foi, mas na época eu até já tinha me acostumado e era feliz. Por que não seria? Para passar meu tempo livre, eu cozinhava. Fazia bolos, biscoitos, tortas. Não que ainda hoje não o faça, mas o pouco tempo da vida de vestibulanda (e também pelo fato de serem muito calóricas tais receitas) me impede de aproveitar das habilidades culinárias que minha avó me passara perante estes doces artesanais.
            Quando me formei na oitava série, me senti aliviada. Sairia da escola que me remetia tanta angústia. Angústia por não poder confiar, por não poder se mostrar, por não conseguir mudar tudo de errado a minha volta. E foi então na Escola de Ensino Médio que eu tive a oportunidade de me reinventar. Começar de novo uma história que tinha um grande potencial. Ainda que quisesse fortemente essa mudança toda, um certo eu inseguro ainda tomava parte de grande porcentagem do que eu poderia ser. Continuava a não demonstrar sentimentos e confiança era uma enorme barreira para mim. Mas acho que acabei tentando confiar em pessoas erradas e uma grande briga trouxe a tona o meu passado que eu insistia em fingir que não tinha sido mais que um sonho mal dormido. A antiga eu brigou com a nova, que tornou a ser o que era, talvez até um tanto mais fria.  Foi então que tentando reconquistar a minha amizade o meu amigo despertou a frase que iniciou esta narrativa. Extremamente irritada comigo mesma e me convencendo que eu estava errada em tentar mudar, eu profanei tais palavras que não fazem sentido. “Ninguém precisa de ninguém”, eu insistia em dizer. Só que se tu for parar para pensar, como eu já o fiz diversas vezes em dois anos, eu nunca estive sozinha.
            Por mais que houvesse muitas pessoas querendo que eu não conseguisse, ou simplesmente querendo que eu não existisse, havia minha família para me apoiar. Além disso, ainda que muitos considerem estúpido achar que animais de estimação não podem ser da família, bom, alguns têm o dom de ser. Eles estão sempre por perto, parecem até que sentem os dias que tu mais precisa de ajuda e chegam com olhos brilhantes que encaram os teus, como se dissessem:  “Também tenho dias assim, mas esqueçamo-los... Brincar?” E você sorri com essa ideia. Passado um ano da briga que me marcou pra valer, eu acabei tendo que ceder a algumas amizades e confessar que elas me faziam bem. Me faziam feliz, mas alguns ainda reclamavam “Por que você não demonstra quando gosta de algo?”. Bom, minha gente, isso ainda era a antiga eu dizendo para segurar um pouco. Estava muito bom para ser verdade. Até que eu percebi, ao completar dezesseis anos, algo que pretendo levar para o resto da vida. Percebi que eu gosto de perceber quando gostam de mim e, se eu quero poder confiar em alguém, esse mesmo alguém tem que poder saber que pode confiar em mim. Como então faria isso se não demonstrasse afeto?
            Chegando num último ensinamento dessa idade que não se pode pedir muito, ele se deu quando fui contar para uma amiga alguns acontecimentos que estavam, de certa forma, acoquinando minha mente e só dizia para ela: “Por que sim?” e ela me disse: “Ai, guria, tuas perguntas é que estão erradas. Tenta assim: por que não?”. E foi quando muito de tudo que está por vir fizeram sentido.
            Nós precisamos de mais pessoas que nós mesmos, sim. Se biologicamente já somos seres heterotróficos, por que não assumir logo que nossa necessidade vai além da sobrevivência? Quem não gosta de ser gostado e quem não gosta de ser amado. Isso não é paranóia nem pecado, é? Infelizmente, algumas pessoas não sabem lidar com esses sentimentos. Confundem tudo dentro do caldeirão da vida, mas um dia elas hão de aprender, tenho fé. Aos poucos a gente se acostuma e muda, é preciso e muitas vezes bom. Ainda que por ora não entenda a razão.