sábado, 26 de abril de 2014

O dom do silêncio.

        Sabe quando o silêncio resume tudo o que você não quer falar? 
        Não parece muito comum estar num parque em que não se tenha barulhos abundantes. Num parque em que se possa ouvir os filhotes de labrador brigando por um graveto perto do chafariz, ou o arrulho dos pombos que apenas buscam por migalhas no chão, porém posso dizer que tive a sorte desta ocasião. Se havia pessoas lá? Claro que sim, amigos inclusive, mas acho que assim como eu, eles foram tomados pela miraculosidade daquele silêncio que, de tão natural, nos fez o aderir. Passamos a observar. As palavras, naquele momento, fariam o papel daquele chocolate granulado que já não gruda mais no brigadeiro porque ele já está muito bem coberto, seriam exacerbadamente  desperdiçadas. Somos, no final, também autores do silêncio.
        Era um pequeno estado de paz nos aconchegando no fim de uma semana, numa pequena tarde de sexta-feira em que o sol brilha apenas para deixar o outono com um toque de clássico, e digo até que muitos não têm essa virtude de se deixarem tomar por um sentimento tão puro. Reclamam do vento, do sol em seus rostos, do algodão doce que acabou, do carrinho de pipoca que range muito ao se deslocar. Elas não percebem que ao ventar, as folhas dançam no chão, que o sol bate em nosso rosto apenas para nos deixar um "oi" da estação que ele incide mais intensamente. Não percebem que às vezes acontece de o açúcar acabar e que há pessoas por aí que dariam muito para apenas saber que som faz aquele carrinho.
         Por isso, digo que momentos assim se assemelham a livros. Você deve ler com toda a concentração cada palavra, tirar suas conclusões subjetivas e cristalinas, porque normalmente ninguém deveria olhar pra ti e dizer como se sentir à respeito do que leu, muito menos do que viveu. Muitos leem rápido apenas para terminar, enquanto outros economizam cada página. Então, talvez depois de tudo, você tenha que fechar a contracapa e imaginar o que mais aconteceu com aqueles personagens, ou pegar um ônibus para casa e descobrir isso. Ainda assim, sempre tem algo que fica lá, de um lado para o outro na sua mente. Algo que te faz pensar em como o surpreendente consegue se colocar de forma tão nítida sem um mínimo de ruído. 
       Penso, pois, que é para não ter o perigo de não o escutarmos. 


terça-feira, 22 de abril de 2014

A linguagem do olhar.

       A gente dá tanta importância para um olhar, não é mesmo? Às vezes achamos que essa atenção para algo tão simples pode ser exagerada, ainda que às vezes tenhamos a plena certeza disso. Nunca esqueço de quando, lá na minha sétima série, eu li que os olhos eram as janelas da alma. Pensei que essa afirmação fosse um pouco sombria na época, mas não me demorei a levar essa percepção para a vida real e concluir que, na verdade, poderia sim ser, mas também não deixava de ser estonteante.
       Há pessoas que tu simplesmente não consegue olhar nos olhos por muito tempo, parece que elas te passam um sentimento tão pesado, como se fossem levar com elas a tua felicidade. Por outro lado, há outras pessoas que têm um olhar doce. Tu não consegue te privar de ficar observando a cor brilhante refletida naquelas tão pequenas íris, te parece tão certo. Não interessa a cor, desde que sejam sinceros. Não interessa que eles fechem um pouco por causa da luz forte, desde que eles ainda possam ser sentidos.
       Os olhos falam tanto por nós, o suficiente para pantomimas corporais não serem necessárias, ainda que muitas dependam deles. É quase um sentimento de ódio quando eles te entregam também, mesmo que seja por um bom motivo. Bá! E quando dois olhares se cruzam por um mesmo motivo. Chega a ser engraçado, por ora. Mexe contigo de uma forma que tu nunca podia ter imaginado que simples gesto o faria. Principalmente quando tu não esperava. Quando-tu-não-esperava! Um pouco empírica essa explicação porque acho que a maioria de nós já teve a sorte de um momento assim, um momento que tu olha para alguém apenas passando o olhar e a pessoa já estava te olhando, então ambos desviam o olhar. Simultaneamente, os dois voltam a se olhar para conferir que não está sendo mais observado e, então, os olhares se chocam. 
       Simões Lopes Neto e Machado de Assis me mostraram sutilmente como observar os olhares, pois ambos foram alertados por eles mesmo que não os tenham acreditado. Talvez com um pouco mais de sabedoria, ou talvez com um pouco mais de sutileza e desconfiança, mas principalmente me ensinaram a desfrutá-los sempre que eu achar que aquele momento tão significativo possa se tornar meu ponto de paz.
       Acho interessante que a língua portuguesa, uma língua tão rica em expressões e gramática, não tem uma expressão que fale apenas do olhar de alguém. Uma língua quase já não falada e proveniente da Terra do Fogo, por sua vez, traz essa peculiaridade de forma concisa e ela foi uma das primeiras línguas nativas da América do Sul a serem registradas por missionários europeus. Essa informação me surpreendeu porque mesmo não carregando todas as características da América, longe disso, acho que a linguagem representa um povo e sua capacidade de comunicação, então, não seria um erro total nosso tentarmos aderir palavras novas ao vocabulário da língua portuguesa brasileira a cada dia, não é? Muitos não querem isso porque acreditam que a língua portuguesa deve ser preservada, mas não digo aqui que não a preservemos, mas que simplesmente a enriqueçamos.
       A gente precisa mudar se quisermos, um dia, ser capazes de falar um palavra e significar muito.