terça-feira, 23 de julho de 2013

O mundo todo ou você?


O reconhecimento e o carisma são dois fantasmas sentimentais que deveriam nos flanquear pela rotina que decidirmos levar. Acredito que aprendi isso com uns vinte minutos de conversa que tive com meu tio-avô numa parada de ônibus. Por algum motivo, logo que uma criança passou correndo por nós, ele me dirigiu a palavra:
         - Minha jovem, feche os olhos e deixe a imaginação fluir. Apenas escute. Pense em todas aquelas pessoas mal-humoradas que passam por você pela rua, e talvez acredite que não vale a pena sorrir. Talvez pense que não vale a pena tentar, afinal, muitos já não conseguiram então, por que você, não é mesmo? Até que um dia ao acordar, é com pesar que deixa as cobertas e coloca a roupa mais confortável e apresentável que tiver para encarar o dia.
         Corre até a parada de ônibus, oh, você se atrasou. Por um acaso do destino, o motorista conhece você e simplesmente para o ônibus que já arrancava, apenas para lhe esperar. Você desconfia, mas agradece e senta-se num banco à esquerda. Ao chegar perto do serviço, desce do veículo e deve passar por aquela banca de jornal que cheira fortemente a tabaco. Antes de passar, pensa em atravessar a rua apenas para evitar contato com o senhor que nunca lhe cumprimenta. A preguiça de atravessar, porém, lhe toma e, hm, aquela manchete de jornal até que está interessante. Checa os bolsos e pelo visto há algumas moedas que foram o troco do seu café no dia anterior.
         - Não gosto de café, vô! O senhor deveria saber que crianças de onze anos não tomam café.
         - Troco do picolé, pronto! Feche os olhos de novo. Bom, pega então um exemplar e, com uma cara sonolenta demais para uma quinta-feira, vai pagar ao senhor fumante. Meu Deus! Ele sorri para você e, que surpresa, os olhos dele são escuros brilhantes, como você imaginava ser nas profundezas do oceano. Percebe que nunca tinha os observado. Sorri de volta, um sorriso torto de gratidão pelo jornal e vergonha por nunca antes ter tentado olhar aqueles olhos.
         Caminhando umas duas quadras, adentra o edifício em que trabalha e pensa em passar reto pelas secretarias que numa constância estranha estão sempre lixando as unhas. Porém, o dia mal começou e já a surpreendeu tanto, o que será que acontecerá se cumprimentá-las? Acaba de descobrir que você subirá no elevador com um cookie de chocolate nas mãos. Desde quando elas têm cookies?
         Já na sua sala, sua auxiliar de relatórios a espera com uma imensa papelada. Você apenas sorri e diz:
         - É isso pra hoje?
         Ao passo que ela faz uma careta e responde:
         - Está tudo bem com você?
         - Digamos que o mundo parece estar ao meu favor.
         A auxiliar ri e então lhe diz:
         - Ou é porque acham estranho você usando pantufas de garrinhas com uma roupa social.
         Neste momento, meu avô fez silêncio. Esperei ele continuar a narrar, mas olhei para o lado e ele apenas me observava com um olhar curioso. Meu rosto devia estar engraçado porque ele apenas desviou o olhar para pegar o dinheiro do ônibus que chegava enquanto dizia:
          - É uma metáfora, filha. Talvez você seja muito pequena e eu, um velho caduco, mas o que mudara? O mundo todo, ou você?
         Subimos no ônibus e não pensamos mais na história. Dois anos depois, meu tio-avô partiu sem me explicar a metáfora e, agora, quatro anos mais tarde, sinto sua falta e um certo aperto, pois acho que entendi a história e queria ter a garantia de que as pantufas chegariam em minhas mãos, um dia.

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