E foi numa tarde úmida que ele percebeu o ano chegando ao fim.
Setembro nem sempre fora um mês tão interessante, mas para Otávio, até
que esse estava se mostrando bem saliente. Ocorreram algumas brigas que o
chatearam mais do que já pudera imaginar, algumas pessoas o surpreenderam tanto
positiva quanto negativamente e passou a fazer certas atividades que há anos
não se encontrava tempo para fazer. Deixou a internet de lado por um tempo e
percebeu com isso que suas relações mudaram. Era como se quisesse ainda mais
levantar de manhã para encontrar com aqueles que o faziam se sentir bem. Sabia
que tinha saudade de ficar até de madrugada conversando nas sextas à noite, mas
era deveras gostoso viver uma vida diferente. A dos livros.
Veio então a época das fortes chuvas. Eternizaram-se por três dias.
Nada havia de fazer fora da casa. Arrumou seu quarto, mudou os móveis de lugar,
fez uma limpeza no guarda-roupa, repintou alguns quadros velhos e desbotados.
Até que um dia amanheceu e o vento já havia levado as nuvens escuras para
longe. De volta a vida normal, Otávio foi acordado às oito horas da manhã de um
sábado com uma ligação de Raquel:
- Vamos ao parque! - convidou ela.
- Não dá para ser à tarde? - contradisse ele.
- Ai, como reclama. Te encontro no teu apartamento em quarenta e cinco
minutos. Sem discussão.
Raquel sabia que se ela não puxasse, Otávio não sairia. Então quando
ela chegou, ainda teve que esperar ele colocar uma roupa apresentável. No
parque, apenas conversaram por horas. Otávio contou sobre o que se passava em
seu coração e Raquel o que se passava em sua mente. Foi estranho? Sim, foi
estranho, mas foi como se por um instante ninguém soubesse de suas existências.
Como se ninguém se importasse com eles a não ser eles mesmos, algo que
gostariam que ocorresse mais seguidamente.
Compraram um algodão doce, tocaram o violão que Raquel havia levado, partilharam
histórias ocorridas antes mesmo de se conhecerem e algo que não faziam desde os
seis anos de idade, acenaram para um avião que arranhava os céus de Porto
Alegre. Olharam no relógio, marcava duas e meia. Não é à toa que estavam se
desdobrando de fome.
Foram ambos para a casa de Otávio e permaneceram lá assistindo um
filme depois de alguns sanduíches. Logo que a pizza chegou, já de noite, Raquel
viu que estava na hora de ir embora. Ela sabia que Otávio jamais sairia nem ao
menos para leva-la até o elevador. Então levantou, pegou sua mochila e se
dirigiu à porta.
- Tchau, Otávio. Até um dia desses.
Te cuida!
Ele não respondeu e a assistiu sair pela porta. Quando Raquel ouviu o
elevador chegar ao seu andar, ouviu também um som vindo do apartamento. A porta se
abriu.
- Eu te levo em casa. – Disse Otávio
ainda olhando para o chão
com a mão
na maçaneta de sua porta.
Raquel sorriu. Otávio enfim levantou
o olhar. Caminharam até entrarem no elevador, a porta se fechou atrás deles. De
repente, um som muito alto ecoou, tudo parou e escureceu. Otávio cutucou
Raquel:
- Depois reclama que eu não saio de
casa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário